terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Rilke, o poeta do esplendor da vida interior





























“Porque a pobreza é uma grande luz que vem de dentro”

Malta Amiga,

Depois do post com as diatribes do grande Vinícius de Moraes, queria dar um salto quântico para outro tipo de Alma e de poesia, mais interna e contemplativa, sem as indecências vinicianas que afastaram, seguramente, a clientela puritana deste bloge ainda menino e moço.

Rilke veio a este planeta uns 38 anos antes do Vinicius, em 1875, e este agradeceu penhoradamente aos Deuses. Da distante América do Sul, leu-o bem lidinho, dando-me um excelente mote para este post: "ao som das canções de Sara Vaughan dei ultimamente em reler o poeta Rainer Maria Rilke (…) e o que tenho a dizer é o seguinte: poucos seres tão poéticos nasceram nunca de uma mulher (…) nunca vida humana fechou-se mais completamente dentro de uma mística".

O Vínícius subiu à contemplação dos Céus e da beleza mergulhando as mãos na terra a possuir tudo o que amava. Foi um poeta do toque e da intensidade à exaustão. Nesse caminho perdeu essências da Alma, esse elemento etérico do amor que nunca se deixa materializar.

Saltitava de objecto amado em objecto amado à espera de renovar a intensidade que, mais tarde ou mais cedo, se desvanecia pela incapacidade humana de reter ao infinito uma paixão humana.

Já o Rilke seria incapaz de mergulhar nessas praias vinicianas. Amante do silêncio e da sua vida interior, era mais etéreo… calma, teve mulher e filha ao contrário de um Pessoa, o que quero dizer é que também sabia valorizar o amor etérico à maneira dos místicos através da sua subtilíssima sensibilidade contemplativa, chegando mesmo a lembrar o Alberto Caeiro, tudo se passa nas fronteiras do seu mundo interior ao contemplar a beleza exterior.

O Vinícius vivia dependente do mundo de fora para ressuscitar o mundo de dentro, Rilke deslumbrava-se com o seu mundo de dentro e não precisava de ir a jogo com o mundo de fora cuja beleza contemplava de dentro para fora.

Rainer Maria Rilke é um poeta difícil de sintetizar, difícil de ler e, para ser sincero, estou a milhas de conhecer bem a obra.

Iniciei-me nele por sugestão do Tolentino Mendonça há mais de dez anos. Disse-me ser ele um dos seus grandes mestres e lá fui atrás do Rilke à procura do porquê dessa atracção tolentiniana, outro sagitário (como este vosso escriba) cuja seta nunca é despicienda...

Não é fácil para o neófito da poesia em geral entrar na sua obra que merece estar entre as maiores de sempre.

Se a língua é a pátria de um poeta, teve mais do que uma pátria, escreveu em alemão e francês e até em russo! Para ajudar a confusão, nasceu em Praga, hoje República Checa, então Império Austro-Húngaro, numa cidade onde se falava checo… e teve várias terras adoptivas, amou a Rússia cujas viagens o marcaram para sempre e a Suíça onde morreu, considerando ambas suas Pátrias.

Apesar de um curto casamento era um viajante solitário tal era a dimensão do universo da sua vida interior, sagitário, what else? Fez da poesia um sacerdócio através da qual amou o que contemplou, quase um S João da Cruz laico dos tempos modernos.

"Ao entoarmos cânticos a um deus,
Esse deus dá-nos, em troca, o silêncio seu
Nenhum de nós dá passos
Para um Deus que não seja silencioso"

São versos brutais que incorporam uma filosofia de quem busca a beleza e medita-a no murmurar da sua vida interior, especulando em torno do confronto entre a sua humanidade e o esplendor do divino: "todo o anjo é terrível".

Alguns intelectualóides dirão que o Anjo dele não é o anjo cristão mas este DMM, que nunca estudou literatura e muito menos Rilke, sente-o dessa forma quando a sua Alma se comunica na escrita, aliás, "todos os vivos cometem o erro de fazer distinções demasiado rígidas".

Basta de filosofias. Partilho pinceladas de um poema maior digno de um Camões ou de um Shakespeare…

"Extingue os meus olhos, ainda te posso ver,
Fecha-me os ouvidos: ainda te posso ouvir,
E sem pés ao teu encontro posso ir,
E até sem boca teu nome hei de dizer
Quebra-me os braços, posso abarcar-te
Com o coração como se estendesse a mão,
Pára-me o coração, o cérebro latejará,
E se ao meu cérebro deitares fogo então
O meu sangue em mim te levará."

(O Livro das Horas / Assírio e Alvim, p. 197)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ops...

Maria João Pires, aqui, neste ensaio, fica em choque ao perceber que a orquestra está a tocar outro concerto, está baralhada e perdida…

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

De como a música nos salva
pela ascenção na harmonia das esferas
nessa imutável beleza da verdade
que sustém o mundo

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Vinícius de Moraes - Do Homem dos Vícios à Harmonia das Esferas









"Me perdoem as feias mas beleza é fundamental"

Malta Amiga,

A vida deste grande foi inteira na paixão, na música, na poesia ou nos vícios da bebida e do tabaco.

Era um homem em permanente instabilidade o que é coisa rara para um balança (19.10.1913). Estava em permanente falta de centro que só reencontrava quando lhe batia à porta uma paixão ardente pela Dama amada.

O seu biógrafo José Castelo, faz uma síntese curiosa sobre a sua relação com o universo feminino, buscava uma mulher não para se encontrar mas para se perder…

O nosso poeta, poetinha, camarada na voz de Toquinho ou o branco mais preto do Brasil, segundo o próprio, estava para a vida saudável como a Coreia do Norte para a Democracia, fumador e alcoólico inveterado, cito de cor:

O Whiskie é o melhor amigo do homem, é cachorro engarrafado (referência à marca Black and White);

Nunca conheci uma amizade que tivesse começado em leitaria;

Só gosto do mundo depois da segunda dose...

Casou nove vezes e era, acima de tudo, viciado na intensidade da paixão, nunca soube viver sem essa intensidade, sempre recusou a zona de normalidade em que nós, mortais, tentamos assumir responsabilidades e tolerar rotinas. Mas afinal quem consegue segurar o tempo de uma paixão?

Foi libertino. O grande Drummond de Andrade dele disse - Eu invejo o Vinícius porque ele vive num estado permanente de poesia; foi o único de nós que teve vida de poeta.

Na verdade, era um escravo da lei do sentir até às últimas consequências, sofreu e fez sofrer como todos nós, mas tinha aquele toque mágico das Almas a quem tudo se perdoa.

Não resisto a contar um episódio contado na biografia de outro grande, Alexandre O’Neill, da Maria Antónia Oliveira:

"Quando foi o tremor de terra de 1967 (Lisboa), o Alexandre e o Vinícius não deram pelo terramoto porque iam os 2 num táxi, quando o Vinícius chegou ao Hotel Império, estava toda a gente cá fora, todos mal vestidos, o Vinícius pensou que era um bacanal, começou logo com ideias."

Um dia seu amigo Paulinho Mendes Campos, disse-lhe você anda por todos os bares e se dá bem com todo o mundo qual é o seu segredo? É porque eu sou um sujeito que tem a harmonia das esferas (…) é não ter pontas, não ter atritos. Pessoas que têm a harmonia das esferas são incapazes de machucar os outros, mesmo que queiram, pois isso não é só uma qualidade é também um sinal de fraqueza de que não me devo orgulhar muito.

Nascido numa família carioca tradicional, estudou com Jesuítas, licenciou-se em direito e seguiu o ofício de diplomata, começou em LA, passou por Roma, Paris e Montevideo. O Toquinho conta uma história deliciosa dos tempos de Paris em que havia um grupo de brasileiros que o queria visitar até que à terceira tentativa, o porteiro português da Embaixada disse-lhes: meus amigos, de manhã ele não vem e de tarde ele não trabalha.

Também foi cronista de revistas jornais (excelentes as antologias da Companhia das Letras), cantor e compositor incontornável da Bossa Nova que revolucionou a MPB (Música Popular Brasileira), letrista da imortal Garota de Ipanema e tantas outras, a fama até surgiu cedo mas, numa primeira fase, apenas como poeta.

Só arranca para a carreira musical com uma aparição num disco aos 46 anos, acaba expulso pelo Itamaraty aos 56, e só aí se profissionaliza naquilo que sempre foi por baixo do paletó do diplomata, um boémio, o boémio.

Este Príncipe cool, minado de rasgo e graça desenvolve uma teoria de um amigo, a teoria dos chatos que servia para classificar os indesejáveis que o cercaram durante a vida de que darei alguns exemplos:

Chato Depois: aquele que a princípio parece muito simpático mas que no dia seguinte se torna insuportável

Chato que faz calor: aquele cara que fala compulsivamente sem saber que a compulsão provoca calor e faz o ouvinte suar

Chato de ouvido: aquele que fala bem perto, pegando teu ouvido

E concluía – o quê? Você queria que uma teoria dos chatos não fosse chata? Livra-se assim dos chatos mesmo aqueles que envaidecidos dos seus argumentos não podem admirar sua própria chatice.

A "Tonga da Bironga do Kabuletê" é quase um mantra tibetano do sânscrito antigo, tal é a cadência hipnotizante da fonética e da melodia associada, deixo-vos um vídeo emblemático da fase em que fazia dupla com o mítico Toquinho, sempre acompanhado em palco por Black and White.







Também houve um Vinícius médium, dos sonhos e do misticismo e, obviamente, o grande poeta que ficará para uma segunda, terceira e quarta volta….

A verdade, verdadinha, verdadinha, é que este Génio aproximou-nos mais do Céu, do mar e das estrelas que só a arte superior nos traz, na poesia e na música foi erudito, popular, convencional e heterodoxo, entregou-se às artes da paixão como ninguém, deu-nos o melhor charme que só o Brasil e a sua natureza exuberante sabem dar.

Morreu cedo aos 67 anos, em 1980, dentro da sua banheira em água quente que foi, na fase final da vida, dos pouco lugares em que seria capaz de estar, tal era o estado em que aquele corpo jazia depois da sucessão de paixões e vazio que o levaram a uma alma devastada pela acção do fogo da paixão humana.

Quase que poderia dizer que a causa da morte saíu direitinha de um soneto premonitório para a respectiva certidão de óbito:

E de te amar assim muito e amiúde
E que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude

Sarava Poetinha!