
“Porque a pobreza é uma grande luz que vem de dentro”
Malta Amiga,
Depois do post com as diatribes do grande Vinícius de Moraes, queria dar um salto quântico para outro tipo de Alma e de poesia, mais interna e contemplativa, sem as indecências vinicianas que afastaram, seguramente, a clientela puritana deste bloge ainda menino e moço.
Rilke veio a este planeta uns 38 anos antes do Vinicius, em 1875, e este agradeceu penhoradamente aos Deuses. Da distante América do Sul, leu-o bem lidinho, dando-me um excelente mote para este post: "ao som das canções de Sara Vaughan dei ultimamente em reler o poeta Rainer Maria Rilke (…) e o que tenho a dizer é o seguinte: poucos seres tão poéticos nasceram nunca de uma mulher (…) nunca vida humana fechou-se mais completamente dentro de uma mística".
O Vínícius subiu à contemplação dos Céus e da beleza mergulhando as mãos na terra a possuir tudo o que amava. Foi um poeta do toque e da intensidade à exaustão. Nesse caminho perdeu essências da Alma, esse elemento etérico do amor que nunca se deixa materializar.
Saltitava de objecto amado em objecto amado à espera de renovar a intensidade que, mais tarde ou mais cedo, se desvanecia pela incapacidade humana de reter ao infinito uma paixão humana.
Já o Rilke seria incapaz de mergulhar nessas praias vinicianas. Amante do silêncio e da sua vida interior, era mais etéreo… calma, teve mulher e filha ao contrário de um Pessoa, o que quero dizer é que também sabia valorizar o amor etérico à maneira dos místicos através da sua subtilíssima sensibilidade contemplativa, chegando mesmo a lembrar o Alberto Caeiro, tudo se passa nas fronteiras do seu mundo interior ao contemplar a beleza exterior.
O Vinícius vivia dependente do mundo de fora para ressuscitar o mundo de dentro, Rilke deslumbrava-se com o seu mundo de dentro e não precisava de ir a jogo com o mundo de fora cuja beleza contemplava de dentro para fora.
Rainer Maria Rilke é um poeta difícil de sintetizar, difícil de ler e, para ser sincero, estou a milhas de conhecer bem a obra.
Iniciei-me nele por sugestão do Tolentino Mendonça há mais de dez anos. Disse-me ser ele um dos seus grandes mestres e lá fui atrás do Rilke à procura do porquê dessa atracção tolentiniana, outro sagitário (como este vosso escriba) cuja seta nunca é despicienda...
Não é fácil para o neófito da poesia em geral entrar na sua obra que merece estar entre as maiores de sempre.
Se a língua é a pátria de um poeta, teve mais do que uma pátria, escreveu em alemão e francês e até em russo! Para ajudar a confusão, nasceu em Praga, hoje República Checa, então Império Austro-Húngaro, numa cidade onde se falava checo… e teve várias terras adoptivas, amou a Rússia cujas viagens o marcaram para sempre e a Suíça onde morreu, considerando ambas suas Pátrias.
Apesar de um curto casamento era um viajante solitário tal era a dimensão do universo da sua vida interior, sagitário, what else? Fez da poesia um sacerdócio através da qual amou o que contemplou, quase um S João da Cruz laico dos tempos modernos.
"Ao entoarmos cânticos a um deus,
Esse deus dá-nos, em troca, o silêncio seu
Nenhum de nós dá passos
Para um Deus que não seja silencioso"
São versos brutais que incorporam uma filosofia de quem busca a beleza e medita-a no murmurar da sua vida interior, especulando em torno do confronto entre a sua humanidade e o esplendor do divino: "todo o anjo é terrível".
Alguns intelectualóides dirão que o Anjo dele não é o anjo cristão mas este DMM, que nunca estudou literatura e muito menos Rilke, sente-o dessa forma quando a sua Alma se comunica na escrita, aliás, "todos os vivos cometem o erro de fazer distinções demasiado rígidas".
Basta de filosofias. Partilho pinceladas de um poema maior digno de um Camões ou de um Shakespeare…
"Extingue os meus olhos, ainda te posso ver,
Fecha-me os ouvidos: ainda te posso ouvir,
E sem pés ao teu encontro posso ir,
E até sem boca teu nome hei de dizer
Quebra-me os braços, posso abarcar-te
Com o coração como se estendesse a mão,
Pára-me o coração, o cérebro latejará,
E se ao meu cérebro deitares fogo então
O meu sangue em mim te levará."
(O Livro das Horas / Assírio e Alvim, p. 197)
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